09/07/2014

ADEUS, MEU AMIGO... TE VEJO EM BREVE...

Não sou de externar os meus sentimentos no Facebook, mas, por você, José Sérvulo de Lima (Baiano – gerente de Operações do Terraviva), farei isso.
Escrivã da frota: era assim que você me chamava. Adorava tirar sarro da minha cara na redação por causa dos longos e-mails. Com um sorriso largo, dizia que Pero Vaz de Caminha perdia de longe pra pequena notável, outro apelido de sua autoria. Você também era uma figura do imperialismo para mim, mas alguém com uma patente muito maior: REI. “Faaaaaala meu rei”, era assim que eu me dirigia a você, carinhosamente, com um sotaque baiano bem fajuto. E você, como sempre, sorria.
De uma praticidade sem tamanho, não perdia tempo respondendo minhas mensagens. Ia ao me encontro, pessoalmente: “Ôôôô, Lilian, veja bem...”. Quando você dizia “veja bem”, eu pensava com os meus botões: “Danou-se”. Aí, você falava, falava e falava. Eu retrucava, retrucava e retrucava. Vencido pelo cansaço, você encerrava a conversa com a clássica frase: “Ok. Eu vou dar um jeito”.
E dava. Dava jeito pra tudo. Às vezes, desesperada, eu dizia: “Baiano, como é que a gente vai transmitir três eventos simultâneos só com um sinal? Será que a gente consegue um segundo pra uma praça chamar a outra?”. Então, com a maior calma do mundo, você respondia: “Deixa comigo”. E na hora “H” tudo dava certo.
Se eu temia o seu “veja bem...”, você sentia calafrios com o meu “Baiano, eu estive pensando, pensa comigo...”. Você sequer deixava eu terminar a frase e ia logo me interrompendo: “Xiiiiii, eu tenho um medo quando você começa a pensar... Mas diga lá, Lilian, diga lá, o que você quer?”. Eu não conseguia completar o pensamento e nem falar mais nada porque não parava de rir...
Uma cena que ficará cravada pra sempre na minha memória foi a sua entrada relâmpago na redação pra dizer que tinham tirado o sinal da gente, que não seria mais possível termos link faltando apenas alguns minutos para o programa começar. Desesperado, se desculpava pelo ocorrido com as mãos erguidas na cabeça, inconformado com a situação. Foi a primeira vez na vida que o vi apavorado e chateado diante de um imprevisto. “Desculpas do quê???”, eu dizia. Você tinha feito tudo certinho, tínhamos tomado café juntos naquela tarde e planejado todas as entradas ao vivo. Se o link deu pra trás foi porque fugiu de sua alçada. A gente devia ter desconfiado, pois estava tudo redondo demais. Em TV é assim: quando tem tudo pra dar certo, desconfie e se prepare para o pior – é o inverso da lei de Murphy. E, no fim, claro, acabou dando certo de outra forma, porque, repito, você era o rei de fazer as coisas acontecerem, de um jeito, ou de outro.
Embora fôssemos antagônicos em alguns momentos – pra mim, tudo era pra ontem; pra você, pra daqui uma semana, 15 dias... –, nunca nos desrespeitamos. No começo, você era meio ressabiado, mas uma grande amiga, a Fany, abriu os seus olhos e lhe mostrou que eu estava do seu lado. Depois disso, ninguém segurou a gente. Dávamos o exemplo de que produção e operação tinham de andar juntas, de mãos dadas – legado deixado por você e desempenhado com maestria pelo Dimi.
Aliás, se eu aprendi que em TV tudo dá certo no final, eu tive um grande professor: você. Então, eu lhe dei um outro apelido: Hermeto Pascoal da televisão. Você era mágico. Não só tirava som, mas também imagem de qualquer coisa. Tinha uma percepção aguçadíssima. Sabia, a quilômetros de distância de onde ocorria a transmissão, o que estava errado e qual medida deveria ser tomada. Era um gênio. Eu também costumava chamá-lo de professor Pardal, lembra-se? Você era capaz de montar duas câmeras a partir de uma e ainda deixar peças sobrando. E o que era aquela sua salinha, lá perto do Transporte? Havia acessórios da “repimboca da parafuseta” pelos quatro cantos. Era o clone do ateliê do professor Pardal, oras. Aliás, deixava ele no chinelo.
Além disso, dava jeitinho pra tudo na redação sem que precisássemos pedir. Foi você que colocou o espelhinho pra que pudéssemos retocar a maquiagem antes de ir pro ar. Sempre que entro na cabine de off, me lembro de você quando vejo o cabideiro improvisado pra pendurarmos nossas roupas. Sempre que olho os fones de ouvido, cuidadosamente amarrados na mesa, me lembro, mais uma vez, de você. Tudo ali tem o seu dedo, o seu toque, o seu cuidado, o seu carinho.
Também adorava quando você me convidava pra tomar café ou almoçar e me contava como eram os bastidores da TV Tupi, do programa do Chacrinha e dos shows do Roberto Carlos. Você era uma lenda entre centenas de profissionais que tiveram o privilégio de trabalhar contigo. Ouvia histórias a seu respeito de profissionais de outras emissoras e me enchia de orgulho, porque, hoje, era eu que estava pertinho do famoso Baiano. O cara que era o primeiro a chegar muito cedo à TV e que, quando me via, não me poupava da brincadeira: “Ué, caiu da cama, foi?". Este era você profissionalmente. Como pessoa??? Melhor ainda!!!
Um exemplo de caráter, de sabedoria e, acima de tudo, dono de um grande coração. Um pai de família exemplar, que não escondia o orgulho que sentia das filhas. Uma das pessoas mais humanas e generosas que conheci na vida. Eu ficava furiosa quando alguém era malcriado com você, mas só o que sabia dizer era: “Não esquenta, Lilian, não esquenta”.
Muitas vezes, ia trabalhar triste, por algum problema pessoal, mas logo que passava pela catraca da Band e o avistava de longe, em frente à TV, o meu humor melhorava. A sua imagem era um bálsamo, um alento para a minha pobre alma. Parece que era Deus que o colocava ali, naquele exato momento. Então, com um sorriso meio amarelo, antes de me aproximar e dizer uma só palavra, você se antecipava: “Ô baixinha, o que é que você tem? Você não tá boa, né?”.
Pois é, você me conhecia como poucos me conhecem. Mesmo sorrindo, você sabia quando algo não ia bem comigo. Era impressionante. Então, eu te abraçava e sussurrava no seu ouvido: “Você é a minha alegria, o meu alicerce, você é alguém que faz o meu trabalho, num dia como hoje, valer a pena. Eu não sou nada aqui sem você. Você sabe que eu te amo, né?”. Disse isso a você repetidas vezes. E, meio sem graça, você balançava a cabeça e dizia: “O que é isso, Lilian, imagine. É recíproco, é recíproco”. E sempre que me via brava ou triste, você aparecia na redação com um chocolatinho pra me acalmar: “Toda baixinha é brava, é fogo, eu tenho uma lá em casa”, comentava com os outros e caía na risada.
O meu último grande presente foi a sua presença no amigo secreto de dezembro. Você trabalhava demais e não se dava ao luxo de ter momentos de lazer. Sua vida era de casa pro trabalho; do trabalho pra casa. Eu fiquei tão feliz que você foi. Fiquei tão tocada. Eu me senti tão importante, sabe? Fomos os primeiros a chegar e ficamos horas conversando. Os olhos dos estagiários brilhavam com as suas histórias...
Nessa terça, você me deixou pra sempre. E eu me pergunto: “E agora, José?”. Minha festa acabou, minha luz apagou, minha noite esfriou. Você se foi, José. O meu coração tem um vácuo enorme. Vai ser difícil passar pela catraca com a triste certeza de que você não estará mais me esperando pra me dar forças. O que será de mim, José? Você se foi, José. E se tiver televisão lá do outro lado, o céu deve estar em festa. Minha única esperança é que, ao passar pela catraca lá de cima, você esteja lá, me esperando e dizendo, como um grande pai que foi pra mim, que tudo vai dar certo. Obrigada pelos últimos 8 anos que esteve, de verdade, ao meu lado. Te amarei até o fim da minha vida e por toda a eternidade.
Lilian, sua eterna escrivã da frota.

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