09/07/2014

CARTA AO PAI

Oi, pai.
Não escrevi nada no dia dos pais, porque estava esperando pelo seu aniversário, 21/08.
Eu já lhe disse pessoalmente o que vou escrever agora, mas quero registrar isso publicamente.
Além disso, já tem um certo tempinho e, por mais que eu repita, nunca será o bastante para dimensionar o quanto sou grata pela educação que recebi de você.
Nenhum grito, nenhuma repreensão, pressão ou censura.
Pelo contrário: paciência e compreensão sempre foram o seu nome.
Nenhuma cobrança, nenhuma desconfiança, nenhum julgamento.
Um dia, quando eu devia ter uns 15 anos, lhe perguntei: “Pai, essa saia está muito curta?”.
Então, você olhou bem pra mim e devolveu outra pergunta: “Você se se sente bem com ela?”.
Respondi que sim e você foi categórico: “É isso que importa”.
Desde muito cedo, aprendi que as pessoas julgam, mas o importante não é o que as pessoas falam sobre nós, mas como nos sentimos em relação a nós mesmos.
Lembro-me do quanto você era popular na minha adolescência.
As minhas amigas, muitas vítimas de uma educação rígida, te adoravam.
Você sempre foi assim: fala mansa, calmo, simples, direto, sem grandes complicações.
Com você também aprendi o valor da honestidade: lembro-me de que devolvi na lojinha uma folhinha de papel manteiga que veio a mais, porque esse tipo de atitude, por menor que fosse, era grande pra você.
Cresci ouvindo de você uma frase que descreve exatamente o meu cotidiano e a carreira que escolhi: “Calma, equilíbrio, vai dar tudo certo”.
Cresci ouvindo outra frase clássica: “Paciência. Tem que ter tranquilidade pra fazer as coisas”.
Pois é, foi com você que aprendi a ter calma no meio do caos e a ter paciência diante da adversidade.
Foi com você que também aprendi o sentido amplo da palavra confiança.
Prova disso é que nunca precisei mentir, porque sabia que não havia necessidade.
Enquanto meus amigos cabulavam aula, eu, simplesmente, faltava, na cara dura.
Lembro-me como se fosse hoje: o rádio ligado na Jovem Pan ao som do “Vambora, vambora, tá na hora, vambora, vambora, seis horas, repita, seis horas...” – que ódio dessa musiquinha, rsrsrs –, você me chamando pra ir pra escola e eu, simplesmente, dizendo que não estava a fim.
As suas perguntas eram: “Tem prova hoje?” ou “Tem trabalho pra entregar?” ou “Tá estourando em falta?”.
Mas não eram perguntas para me cobrar. Eram apenas perguntas para se certificar se eu estava consciente, se eu não estava me esquecendo de nada, se eu tinha o controle da situação.
Então, depois de dizer “não” para todas as perguntas, você seguia em paz: “Ahhhh, então tá bom, filha, durma bem que eu tô indo trabalhar.
E eu dormia que era uma beleeeeza... O quê??? Levantar da cama, sair do quentinho pra não entrar na sala de aula? Eu preferia ficar em casa dormindo, descaradamente, mas no quentinho, claro. Cabular aula é pra idiota que precisa mentir pro pai.
E sabe como eu retribuía toda a sua confiança? Com as melhores notas da escola inteira.
Ah, mas eu tive a minha primeira nota vermelha na vida. Foi em 1986, um ano muito tenso e triste pra nossa família. Foi em Geografia e a professora acabou comigo. Ela não se conformava com o fato de uma aluna, que só tirava “A”, ter tirado um “D”. Ela gritou comigo e me humilhou na frente dos colegas.
Voltei pra casa chorando, mostrei o meu “D” pra você, que deu o seguinte veredito: “A sua professora não tem pedagogia, não? Ela deveria primeiro procurar saber por que você tirou uma nota vermelha. Não dá bola pra ela, não. Vai lá e tira um 10”.
Foi exatamente o que fiz e exatamente o que aconteceu: 10, nota 10!!!
Lembro-me de quando inventei de trabalhar numa locadora de vídeo aos 13 anos. A mãe não tinha gostado muito da ideia, mas você disse: “Deixa ela, se ela não gostar, ela sai”.
Depois desse, muitos outros empregos vieram e muitos outros conselhos: “Não está feliz? Saia antes que você adoeça”.
Lembra-se de quando saí do banco, no terceiro ano de faculdade? Eu ganhava bem, mas, se continuasse lá, jamais me tornaria jornalista. Então, você apoiou a minha loucura e me se incentivou a me tornar radialista antes mesmo de ser jornalista. No dia do teste, você foi comigo até lá, no Senac, da Lapa.
As aulas de locução também foram um drama. Um dia voltei pra casa revoltada porque o professor havia dito que minha voz era de chapeuzinho vermelho. Eu quis desistir e você me alertou: “Você tem duas escolhas: aceitar o que ele disse e desistir ou melhorar e provar que ele está errado a seu respeito”.
Continuei e um ano depois eu estava empregada na Rádio Bandeirantes AM, com direito a entradas ao vivo. A minha voz se tornou a minha marca, o meu principal trunfo nos eventos de cerimoniais – graças ao seu incentivo.
Lembro-me de que durante três anos você me acompanhou a pé, nas manhã frias e escuras, até o ponto de ônibus que ficava a umas 9 quadras da nossa casa – era chão...
Lembro-me de que você conversava muito comigo sobre política, música e era você quem fazia as redações da Cris – acho que meu gosto pela redação veio de você, claro...
Lembro-me do som da sua gargalhada assistindo aos Trapalhões – eu acho que você é a única pessoa que conheço que ria deles, e eu a única que ria de você rindo deles, rsrsrs.
Lembro-me de que, aos 9 anos, fiquei histérica porque cortaram o meu cabelo errado, infernizei a sua vida até chegar ao cúmulo de quebrar o espelho de casa com a escova de cabelo. Quando isso aconteceu, eu fiquei pálida e pensei: “Agora, ele perde a paciência e é o meu fim”. No entanto, em vez de me bater – qualquer pai faria isso diante de um chilique infantil -, você conversou comigo e negociou para que eu me acalmasse. Desta forma, não foi uma surra que guardei como aprendizado, mas a possibilidade de ter ganhado mais uma chance.
Outro presente dado por você foi a liberdade: com 17 anos – isso há mais de 20 anos –, eu saía de casa com o namorado na sexta à noite e só aparecia de volta na segunda à noite, quando voltava do trabalho. Mais uma prova de que a confiança sempre foi o pilar da minha educação.
Você era tão legal, tão claro, tão explícito quanto a sermos responsáveis e respondermos pelas consequências dos nossos atos que qualquer desapontamento seria uma grande deslealdade de minha parte. Você me oferecia o melhor e eu só podia retribuir o melhor.
Desculpe-me pelas bobagens que falei depois de adulta, de velha, mas a base do meu caráter você construiu lá na minha infância, adolescência e juventude. É que depois de velha, a gente fica cabeça dura e a TPM também domina, sabe? Eu lhe peço perdão se já o ofendi.
Também quero lhe dizer que tenho muito orgulho do seu talento musical e por você ter jogado tudo pro alto pra voltar a ser músico.
Sei que você se cobrou uma vida inteira pra ter nos dado mais conforto, mas, olha, pode apostar, o que você me deu, dinheiro algum é capaz de comprar: AMOR.
Obrigada por tudo.
Te amo!!!
Lila.
P.S.: dedico esta carta à reflexão de todos os pais opressores que gritam, desconfiam, insultam e batem em seus filhos.

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